Nesse artigo, a Dra. Renata Emy Ogawa descreve e exemplifica com casos reais sobre o Preparo de hepatectomias, utilizando reconstruções 3D de imagens de tomografia computadorizada.
Cirurgias hepatobiliares
Houve aumento exponencial nas cirurgias hepatobiliares nos últimos 20 anos com a melhora das técnicas cirúrgicas e anestésicas, suporte de unidades de terapia intensiva e melhora dos tratamentos neoadjuvantes, tendo o potencial de melhorar significativamente o prognóstico de pacientes que não eram considerados candidatos a cirurgias curativas, tanto no caso de metástases quanto de neoplasias primárias malignas.
Ainda, com a melhora das técnicas de transplante hepático intervivos, houve aumento da quantidade de potenciais doadores para tratamento de doenças hepáticas terminais.
Planejamento pré-cirúrgico
Nesse cenário, o planejamento pré-cirúrgico por imagem é de extrema importância para se evitar insuficiência hepática, hemorragias, fístulas biliares, congestão hepática e outras morbidades significativas.
Atualmente, considera-se tumor(es) operável(is) aquele cuja ressecção permite deixar um remanescente hepático de volume suficiente, o que varia de acordo com os antecedentes do paciente, com drenagem venosa e biliar e aportes arterial e portal adequados.
A descrição detalhada das anatomias vascular e biliar é difícil de se realizar e as diversas classificações não contemplam todas as possíveis variações anatômicas.
A maior parte das pessoas tem uma melhor comunicação visual, com isso imagens “falam” mais do que palavras e são melhores fixadas na memória pela maioria das pessoas.
Por isso as reconstruções 3D facilitam e muito a comunicação entre o radiologista e o cirurgião. Não ficam imprecisões ou ambiguidades pela dificuldade de se descrever o que está sendo visto.
Além disso, determinando-se a anatomia vascular, pode-se estimar o volume de parênquima que é nutrido ou drenado por determinado vaso, podendo-se melhor prever volume hepático residual funcional (o remanescente hepático futuro).
Reconstruções 3d e volumetrias hepáticas
Reconstruções 3D e volumetrias hepáticas podem ser realizadas em softwares de diversas empresas e custam precioso tempo do radiologista. A Fujifilm incorporou IA (Inteligência Artificial) no software para reconhecer e segmentar automaticamente:
- fígado;
- vasos hepáticos;
- esqueleto e pele
Assim como, de forma semi-automática reconhece vias biliares e tumores, permitindo realizar hepatectomias virtuais. Dentro do ambiente de realidade virtual (reconstruções 3D) podemos inserir os vasos, tumores e vias biliares segmentados (virtualidade aumentada).
O aumento do uso e disponibilidade de reconstruções 3D permitirão que mais pacientes realizem grandes hepatectomias com segurança.
Relatos reais de hepatectomias, utilizando reconstruções 3D de imagens de tomografia
Aqui, relato 2 casos de hepatectomias, cuja as reconstruções 3D foram essenciais para determinar a operabilidade dos pacientes e planejar melhor a estratégia cirúrgica.
Caso 1:
Paciente masculino de 61 anos, previamente hígido, com dor no epigástrio há 2 meses, com perda de peso e urina alaranjada. Em exames de investigação, foi identificado um nódulo hepático peri-hilar nos segmentos IVb, V e VIII, sugestivo de colangiocarcinoma.
O cirurgião planejava uma trissetorectomia direita e solicitou estudos vascular por tomografia computadorizada e biliar por ressonância magnética com volumetrias hepáticas.
O volume do remanescente hepático futuro (setor lateral esquerdo) era muito pequeno, consistindo de 11,4% do volume hepático total.
Com isso, alguma tática de aumento de volume hepático deveria ser empregada (por exemplo, embolização de veia porta); precisaria ser tratamento em 2 tempos, postergando o tratamento definitivo e aumentando o risco de progressão da doença.
Mudança de estratégia
Através das reconstruções 3D, uma parte muito pequena do tumor, invadindo o setor medial esquerdo (segmento IVb) e que a veia hepática média estava livre, então propus a realização da hepatectomia direita com pequena ampliação para o segmento IVb.
Com isso o remanescente hepático futuro seria de 33,8%, não necessitando de estratégias para aumento hepático. Cirurgia em tempo único. Menos morbidade e aumento das chances de cura.
Figura 1: reconstrução 3D com volumetrias hepática total (1428 mL) e dos segmentos II (86 mL) e III (77mL), mostrando um remanescente hepático futuro de volume insuficiente (11,4%). Veia porta em rosa claro e tumor em rosa escuro mostrando a relação com o ramo portal direito.
Figura 2: imagem de tomografia computadorizada fase portal com segmentação em 2D dos lobos direito (cor salmão) e esquerdo (cor amarelo), do tumor (cor rosa escuro), veia porta (cor rosa claro), artéria hepática (cor vermelho) e veias hepáticas (cor azul), mostrando que apenas pequena porção do nódulo comprometia o lobo esquerdo.
Figura 3: reconstrução 3D. Lobo direito amarelo opaco e lobo esquerdo marrom transparente. Tumor rosa escuro e veia porta rosa claro. Novamente mostrando que apenas pequena porção do nódulo se encontrava no lobo esquerdo.
Figura 4: reconstrução 3D. Fígado marrom transparente. Veias porta e hepáticas em azul e tumor em rosa escuro. Notar o espaço entre o nódulo e a veia hepática média, dando margem para preservação da mesma na cirurgia.
Caso 2:
Paciente masculino de 57 anos operado de câncer de sigmoide e apresentando boa resposta à quimioterapia para tratamento de múltiplas metástases hepáticas.
Apresentava 9 nódulos no total, sendo que uma delas determinava obstrução da veia hepática direita e mantinha amplo contato com a veia hepática média e a outra afilava a veia hepática esquerda. Foi considerado inoperável por não haver drenagem venosa no remanescente hepático futuro.
Mudança de avaliação sobre operabilidade
Realizou angiotomografia computadorizada com reconstruções 3D e volumetrias que mostraram presença de duas veias hepáticas acessórias no lobo direito e colaterais venosas que drenavam as tributárias da veia hepática direita para tais veias acessórias.
Com isso, estava garantida a drenagem venosa dos setores anterior e posterior direitos. A distribuição dos tumores nos segmentos V, VI e VII era periférica, aspecto facilmente visto na reconstrução 3D, por isso, as nodulectomias poderiam ser realizadas com baixas dificuldades.
O lobo esquerdo não teria drenagem venosa e o nódulo do segmento VIII era de difícil ressecção.
O volume do remanescente hepático futuro (segmentos I, V, VI e VII) era de 53%. Não era necessária nenhuma estratégia de aumento hepático, mesmo após quimioterapia com medicações hepatotóxicas. O paciente era operável.
Atualmente, somente a cirurgia tem potencial curativo para esses casos, oportunidade essa que foi dada ao paciente após cuidadoso planejamento pré-operatório.
Figura 1: tomografia computadorizada fase portal mostrando os 2 tumores que comprometiam as veias hepáticas direita, média e esquerda.
Figura 2: Vista cranial da reconstrução 3D das veias hepáticas e cava inferior (em azul) e dos tumores (em rosa). Veias hepáticas direitas acessórias (setas) com colaterais que drenam as tributárias da veia hepática direita principal.
Figura 3: Vista lateral direita da reconstrução 3D das veias hepáticas e cava inferior (em azul) e dos tumores (em rosa). Veias hepáticas direitas acessórias (setas espessas) com colaterais que drenam as tributárias da veia hepática direita principal (seta fina).
Figuras 4, 5 e 6: vistas oblíquas da reconstrução 3D das veias hepáticas e cava inferior (em azul) e dos tumores (em rosa), mostrando a distribuição periférica dos tumores no lobo direito.